Debate sobre o pronunciamento anterior
Rafael
Rosa Hagemeyer
Basta ter um mestrado
na área, ou doutorado, e tudo bem... está qualificado pra dar aula
na Universidade, qual é o problema? O problema, creio, não é
esse. Quando a mídia grita contra monopólio, normalmente é porque
o monopólio DELA está em risco! No caso, o monopólio da mídia em
produzir a memória sem ser contestada ou fiscalizada. O problema é
que a ANPUH, sejamos francos, não amadureceu a discussão na
comunidade historiográfica em todas as suas implicações. Uma
coisa é certa: há o interesse, tanto à mídia quanto à "velha
guarda" da historiografia, mas por diferentes razões (ainda
que por vezes complementares) em manter a pesquisa histórica e seus
resultados confinados dentro dos muros acadêmicos.
Arnaldo
Haas Júnior
Paulo, tua reflexão é
salutar, assim como o consistente complemento do Rafael. Aproveito
para comentar dois pontos. O texto do projeto preza pela
simplicidade e pretensa objetividade (possivelmente para lidar com o
mínimo possível de polêmicas e contra-argumentações no próprio
senado). Ocorre que esta opção deixa muitas arestas (que estão
sendo exploradas). Mas não me alongo aqui. O complemento do Rafael
é importantíssimo porque alertar para a maneira incipiente com que
a discussão sobre o projeto foi feita dentro da academia. Na anpuh
nacional ano passado, ao comentar sobre o tema no simpósio que
participei, fui questionado por um professor titular: "você
considera mesmo essa discussão importante?" Bah... Mas ai me
vem a mente: para quem já está institucionalizado, talvez não. É
uma pena! Acredito mesmo que a profissionalização já teria
ocorrido caso a adesão à proposta - e a devida reflexão sobre o
assunto - tivesse sido abraçada com vontade.
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Reinaldo
L. Lohn
Prezado Paulo, acho difícil
que a ANPUH venha a responder o texto a que você faz referência. O
autor, de um modo muito eficaz, não apenas desqualifica o projeto,
mas seus defensores. É uma forma de argumentação válida, mas
pouco ética. Torcer argumentos (com ajuda de claque amistosa) no
sentido de não apenas discutir idéias, mas de incluir ao longo do
argumento a própria inviabilidade da existência do interlocutor, é
uma forma viável de vencer um debate, mas principalmente de impedir
que o debate ocorra. Afinal, se o interlocutor é, por definição,
um incapaz, então não há debate. É o que o autor parecer deseja,
muito embora tenha que reconher através de uma construção
argumentativa muito adequada para suas finalidades. O argumento
central é de que a História, como construto humano fundamental, é
de todos e de qualquer um e que seu conhecimento é essencialmente
não especializável: "epistemologicamente, a história não
pode ser considerada um condomínio fechado. Deveriam poder
pesquisá-la e lecioná-la todos os pesquisadores de áreas
correlatas". Se tudo é História, então não condições para
uma definição precisa de um campo de atuação, logo, nada pode
ser profissionalizável nesse âmbito. Ao levar às últimas
consequências as premissas fundamentais do raciocínio, teríamos
que não apenas retirar correndo o projeto, mas de fechar a ANPUH
logo em seguida, fechar todos os cursos de bacharelado e de
pós-graduação em História do país e ainda pedir muitas
desculpas (se estas forem suficientes) por usarmos tanto dinheiro
público para manter atuações profissionais tão equivocadas por
tanto tempo. Ainda dou de barato que o autor não queira avançar
sobre o ensino de História na educação básica e que, portanto,
cursos de licenciatura voltados exclusivamente para formar
professores para este nível de ensino possam continuar a existir.
Pretender definir um conhecimento especializado sobre a História
seria uma inviabilidade epistemológica e um absurdo. Não por
acaso, o autor faz questão de demonstrar o quanto somos incapazes e
idiotas. Ou seja, é a própria possibilidade de formar
especialistas na historiografia que está em questão. Quanto mais
de haver profissionalização disso! O texto é construído para
mostrar o quanto somos incapazes e toma, para isso, cruelmente, o
Prof. Benito como o exemplo. O projeto teria nascido "da pena
do senador Paulo Paim". Ou seja, em uma linha, anos de
discussão da ANPUH do Rio Grande do Sul, com o valoroso trabalho de
colegas como o Prof. Flávio Heinz, é deixado de lado. Aí temos um
outro componente dessa discussão que é a desqualificação, no
âmbito da própria comunidade de historiadores daqueles que, vindos
de outra geração, de outras instituições, talvez menos
laureadas, com outras demandas, tragam novidades inconvenientes para
setores acadêmicos já estabelecidos. Vamos falar a verdade: todos
os que defendemos o projeto somos, em geral, outsiders, não somos
do Rio de Janeiro e não temos acesso aos salamaleques reservados
aos que exercem o poder na área. Assim como o presidente da ANPUH,
seríamos incapazes "de ler corretamente um documento
legislativo, embora a redação final do projeto não apresente
muita sutileza", isso posto porque, embora de uma área
evidentemente interpretativa, somos dotados de "frágil
hermenêutica", daí a produção dessa "excrescência
legislativa". Por isso mesmo, o autor sequer se digna a abrir a
possibilidade de que o projeto venha a ser discutido e alterado na
Câmara dos Deputados. Seu desejo é de que o projeto seja
simplesmente rejeitado (e, talvez, se possível, seus defensores
sejam condenados à desmoralização pública).
Por fim, mas não menos
importante, achei graça em dois comentários efetuados pelo autor
ao responder seus apoiadores no blog. Num deles, afirmou: "quanto
a mim, talvez por minha formação ser em direito, também sou a
favor de mais desregulamentação..." Como é? A formação
em Direito torna-o favorável à desregulamentação? Existe área
mais regulamentada, inclusive a assegurar o peso da palavra de
sujeitos sociais como ele próprio, do que o Direito? E um outro
comentário apresenta o indício revelador da estrutura básica de
sua argumentação: somos, os que pretendemos nos chamar de
historiadores, simplesmente uns pobres coitados. Ele desafia a um
historiador que "tente virar Fernando Morais, e veja se
consegue". Isso porque "poucos historiadores poderiam
competir com a prosa dele". Não somos capazes de nada mais do
que dar aula. E isso já é muito para a nossa parca formação e
nossa pobre hermenêutica.
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Rafael
Rosa Hagemeyer
Regulamentar a
profissão é passar a levar a História a sério, premissa que os
detratores da profissionalização se recusam a aceitar (aliás,
muitos colegas infelizmente também, acham que é melhor que ninguém
saiba muito bem o que faz um historiador, assim ninguém presta
atenção em nós e ninguém passa vergonha... uma espécie de
corporativismo às avessas, que preza pela invisibilidade
profissional...). Por outro lado, os defensores da
profissionalização ainda não avaliaram suficientemente os
desdobramentos da questão: com a profissão regulamentada (e os
advogados e médicos sabem disso), há que se definir um controle
sobre a ética profissional, pois determinadas formas de exercício
da profissão poderiam ser punidas de diferentes formas, inclusive
com a cassação do diploma em caso extremo. Por outro lado, com a
profissionalização regulamentada, um historiador que tiver acesso
dificultado ou proibido a documentação pertinente à sua pesquisa
(devidamente cadastrada e tal), pode processar a instituição por
"obstrução à sua liberdade de exercício profissional"
- os advogados, p.ex., tem essa prerrogativa (direto à consulta a
todos os autos do processo...). De qualquer forma, será necessário
formar um Conselho Nacional de História, e discutir critérios
éticos para o exercício profissional de forma muito mais séria e
abrangente do que é feito hoje. Isso vai dar muito trabalho, gerar
muita dor de cabeça, prejudicar posições estabelecidas... natural
que também prefiram deixar as coisas como estão.
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Paulo
Melo
Também
acho pouco provável que a ANPUH responda ao autor do texto,
Reinaldo. Nem espero que o faça. Não se trata de uma resposta
pontual, para o Pádua, mas para a linha de argumentação e
desqualificação que ele, e os adversários do projeto,
construíram desde que o tema veio a público. Os sujeitos, e os
interesses contrários à regulamentação, afinam todos no mesmo
diapasão detrator. O nosso silêncio sobre o assunto, num momento
decisivo como este, pode ser interpretado como uma incapacidade de
respondermos a altura e sustentarmos nossa reivindicação. Afinal,
parece não haver interesse no assunto entre os historiadores
estabelecidos (a “velha guarda” da historiografia lembrada pelo
Rafael). Aliás, a ideia de um “corporativismo às avessas” daria
um tópico e tanto para uma conversa. A história que você contou
Arnaldo, infelizmente, não é um caso isolado. Por outro lado,
sabemos como estes textos circulam - diferentemente dos textos da
ANPUH que não saem do nosso estreito campo de relações - e acabam
chegando inclusive aos “nossos” deputados. Quantas vezes os
deputados do DEM e do PSDB usaram de argumentos extraídos do blog de
Reinaldo Azevedo (teu chara, Reinaldo) para usar nos debates no
Congresso sobre temas como o movimento sem terra e as relações
entre o Brasil e o Irã no governo Lula. Nada contra isso. Só estou
dizendo que este tipo de texto circula nas altas esferas e abastece o
repertório de argumentos de muita gente. Sem fazer ilações
levianas, lembro que Demóstenes Torres usou deste expediente algumas
vezes.
Os “críticos” do projeto, “que saiu da pena do
Paim”, estão batendo, com mais ou menos qualidade argumentativa,
nas mesmas teclas. Estão construindo, texto a texto, uma desmontagem
do projeto utilizando de estratégias de desqualificação do projeto
e dos seus propositores, sublinhando a indigência do Congresso que
esta a beira de aprovar tal “aberração jurídica” e operando
uma desconstrução epistemológica da história – “uma aberração
teórica” - como um saber especializado e disciplinar.
A ideia que
costura os textos é realmente a percepção de que a história é
por definição um saber não especializável. Mais que uma
disciplina ou um campo de conhecimento, a ideia de história que
emerge dos textos dos Páduas da vida sugere um patrimônio
universal, que pertence a todos, e que não deve ser privativo de um
grupo de especialistas. Afirmar a história com o um patrimônio,
interdisciplinar e não especializável, e não como um campo de
conhecimento delimitado por regras e teorias, é a estratégia dos
caras. Claro que não se trata de uma conspiração orquestrada por
devotados inimigos, mas está se configurando uma linhagem discursiva
que está promovendo miudamente uma diluição epistemológica da
área e um esvaziamento da figura e da autoridade científica do
historiador. E cá entre nós, e por mais que os textos tenham lá os
seus charmes, os caras não sabem o que estão dizendo. Os adjetivos
e expressões empregados pelo Pádua não deixam dúvidas sobre suas
intenções: “aberração”, “radical recusa da
interdisciplinaridade”, “política de porteiras fechadas”.
Pelas barbas do velho Heródoto, fomos transformados em desprezíveis
coronéis do saber histórico que estão insidiosamente reservando
mercado para nossos pares e colocando cabresto jurídico num bem que
é de domínio geral. Para o Pádua, em particular, a reivindicação
dos historiadores carece de “consistência teórica”. Ela esconde
ambições maiores e ocultas: o que esta sendo jogado é uma política
de “ocupação de espaços de poder”. Simples assim. E não se
trata de uma política de poder pensada na sua positividade. Ok.
Reconheçamos, como sugeriram Rafael e Arnaldo, que não nos
preparamos para isso. Que nunca debatemos o tema da regulamentação
nem o da pós regulamentação com consistência. Mas daí a detratar
uma antiga e justa reivindicação e apresentá-la como uma perversa
tentativa de sequestrar um patrimônio que é de todos e torná-la
nosso domínio particular.....
O truque da desqualificação do
interlocutor é velho. Você foi feliz no seu comentário, Reinaldo.
Mas num momento em que o que esta em jogo é o futuro de uma
profissão, não basta identificarmos os artifícios retóricos do
“adversário”. É preciso argumentar e demolir as objeções uma
a uma. Por mais que os detratores nos pareçam infames, é preciso
levá-los a sério. E é precisamente sobre os pontos repetidos como
mantras nestes textos que, ao meu ver, deve ser construída uma
resposta geral dos historiadores e, ao mesmo tempo, uma defesa da
regulamentação. A saber:
1. A falsa tese do monopólio e da reserva
de mercado (da “porteira fechada”, na linguagem ferina do Pádua).
2. A ideia de que em história não existe especialização e que,
portanto, qualquer um pode lecionar história.
3. A recusa da
interdisciplinaridade.
Não podemos simplesmente ignorar
estas criticas e descartá-las como manifestações menores. Elas
podem crescer diante do nosso silêncio ou de nossas respostas
cuidadosamente elaboradas para nós mesmos. Precisamos aprender a
escrever para o grande público e transformar nossa linguagem cifrada
em textos agradáveis, atraentes e compreensíveis para quem não tem
diploma de historiador. Não estou me referindo as narrativas
mercadológicas e pretensamente críticas dos Narlochs, dos Dudas
Teixeira, dos Peninhas e dos Laurentinos Gomes. Não desmereço o
valor de alguns deles, sobretudo da prosa solta e livre dos vícios
acadêmicos. Mas também não reconheço neles o historiador de
ofício, o trabalho cuidadoso com as fontes e a consistência e
domínio teórico que a formação específica possibilita.
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