quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Debate sobre o pronunciamento anterior



Rafael Rosa Hagemeyer 


                     Basta ter um mestrado na área, ou doutorado, e tudo bem... está qualificado pra dar aula na Universidade, qual é o problema? O problema, creio, não é esse. Quando a mídia grita contra monopólio, normalmente é porque o monopólio DELA está em risco! No caso, o monopólio da mídia em produzir a memória sem ser contestada ou fiscalizada. O problema é que a ANPUH, sejamos francos, não amadureceu a discussão na comunidade historiográfica em todas as suas implicações. Uma coisa é certa: há o interesse, tanto à mídia quanto à "velha guarda" da historiografia, mas por diferentes razões (ainda que por vezes complementares) em manter a pesquisa histórica e seus resultados confinados dentro dos muros acadêmicos.

Arnaldo Haas Júnior 


                  Paulo, tua reflexão é salutar, assim como o consistente complemento do Rafael. Aproveito para comentar dois pontos. O texto do projeto preza pela simplicidade e pretensa objetividade (possivelmente para lidar com o mínimo possível de polêmicas e contra-argumentações no próprio senado). Ocorre que esta opção deixa muitas arestas (que estão sendo exploradas). Mas não me alongo aqui. O complemento do Rafael é importantíssimo porque alertar para a maneira incipiente com que a discussão sobre o projeto foi feita dentro da academia. Na anpuh nacional ano passado, ao comentar sobre o tema no simpósio que participei, fui questionado por um professor titular: "você considera mesmo essa discussão importante?" Bah... Mas ai me vem a mente: para quem já está institucionalizado, talvez não. É uma pena! Acredito mesmo que a profissionalização já teria ocorrido caso a adesão à proposta - e a devida reflexão sobre o assunto - tivesse sido abraçada com vontade.
Curtir


Reinaldo L. Lohn
 


              Prezado Paulo, acho difícil que a ANPUH venha a responder o texto a que você faz referência. O autor, de um modo muito eficaz, não apenas desqualifica o projeto, mas seus defensores. É uma forma de argumentação válida, mas pouco ética. Torcer argumentos (com ajuda de claque amistosa) no sentido de não apenas discutir idéias, mas de incluir ao longo do argumento a própria inviabilidade da existência do interlocutor, é uma forma viável de vencer um debate, mas principalmente de impedir que o debate ocorra. Afinal, se o interlocutor é, por definição, um incapaz, então não há debate. É o que o autor parecer deseja, muito embora tenha que reconher através de uma construção argumentativa muito adequada para suas finalidades. O argumento central é de que a História, como construto humano fundamental, é de todos e de qualquer um e que seu conhecimento é essencialmente não especializável: "epistemologicamente, a história não pode ser considerada um condomínio fechado. Deveriam poder pesquisá-la e lecioná-la todos os pesquisadores de áreas correlatas". Se tudo é História, então não condições para uma definição precisa de um campo de atuação, logo, nada pode ser profissionalizável nesse âmbito. Ao levar às últimas consequências as premissas fundamentais do raciocínio, teríamos que não apenas retirar correndo o projeto, mas de fechar a ANPUH logo em seguida, fechar todos os cursos de bacharelado e de pós-graduação em História do país e ainda pedir muitas desculpas (se estas forem suficientes) por usarmos tanto dinheiro público para manter atuações profissionais tão equivocadas por tanto tempo. Ainda dou de barato que o autor não queira avançar sobre o ensino de História na educação básica e que, portanto, cursos de licenciatura voltados exclusivamente para formar professores para este nível de ensino possam continuar a existir. Pretender definir um conhecimento especializado sobre a História seria uma inviabilidade epistemológica e um absurdo. Não por acaso, o autor faz questão de demonstrar o quanto somos incapazes e idiotas. Ou seja, é a própria possibilidade de formar especialistas na historiografia que está em questão. Quanto mais de haver profissionalização disso!                   O texto é construído para mostrar o quanto somos incapazes e toma, para isso, cruelmente, o Prof. Benito como o exemplo. O projeto teria nascido "da pena do senador Paulo Paim". Ou seja, em uma linha, anos de discussão da ANPUH do Rio Grande do Sul, com o valoroso trabalho de colegas como o Prof. Flávio Heinz, é deixado de lado. Aí temos um outro componente dessa discussão que é a desqualificação, no âmbito da própria comunidade de historiadores daqueles que, vindos de outra geração, de outras instituições, talvez menos laureadas, com outras demandas, tragam novidades inconvenientes para setores acadêmicos já estabelecidos. Vamos falar a verdade: todos os que defendemos o projeto somos, em geral, outsiders, não somos do Rio de Janeiro e não temos acesso aos salamaleques reservados aos que exercem o poder na área. Assim como o presidente da ANPUH, seríamos incapazes "de ler corretamente um documento legislativo, embora a redação final do projeto não apresente muita sutileza", isso posto porque, embora de uma área evidentemente interpretativa, somos dotados de "frágil hermenêutica", daí a produção dessa "excrescência legislativa". Por isso mesmo, o autor sequer se digna a abrir a possibilidade de que o projeto venha a ser discutido e alterado na Câmara dos Deputados. Seu desejo é de que o projeto seja simplesmente rejeitado (e, talvez, se possível, seus defensores sejam condenados à desmoralização pública).
                  Por fim, mas não menos importante, achei graça em dois comentários efetuados pelo autor ao responder seus apoiadores no blog. Num deles, afirmou: "quanto a mim, talvez por minha formação ser em direito, também sou a favor de mais desregulamentação..." Como é? A formação em Direito torna-o favorável à desregulamentação? Existe área mais regulamentada, inclusive a assegurar o peso da palavra de sujeitos sociais como ele próprio, do que o Direito? E um outro comentário apresenta o indício revelador da estrutura básica de sua argumentação: somos, os que pretendemos nos chamar de historiadores, simplesmente uns pobres coitados. Ele desafia a um historiador que "tente virar Fernando Morais, e veja se consegue". Isso porque "poucos historiadores poderiam competir com a prosa dele". Não somos capazes de nada mais do que dar aula. E isso já é muito para a nossa parca formação e nossa pobre hermenêutica.
Curtir


Rafael Rosa Hagemeyer

                  Regulamentar a profissão é passar a levar a História a sério, premissa que os detratores da profissionalização se recusam a aceitar (aliás, muitos colegas infelizmente também, acham que é melhor que ninguém saiba muito bem o que faz um historiador, assim ninguém presta atenção em nós e ninguém passa vergonha... uma espécie de corporativismo às avessas, que preza pela invisibilidade profissional...). Por outro lado, os defensores da profissionalização ainda não avaliaram suficientemente os desdobramentos da questão: com a profissão regulamentada (e os advogados e médicos sabem disso), há que se definir um controle sobre a ética profissional, pois determinadas formas de exercício da profissão poderiam ser punidas de diferentes formas, inclusive com a cassação do diploma em caso extremo. Por outro lado, com a profissionalização regulamentada, um historiador que tiver acesso dificultado ou proibido a documentação pertinente à sua pesquisa (devidamente cadastrada e tal), pode processar a instituição por "obstrução à sua liberdade de exercício profissional" - os advogados, p.ex., tem essa prerrogativa (direto à consulta a todos os autos do processo...). De qualquer forma, será necessário formar um Conselho Nacional de História, e discutir critérios éticos para o exercício profissional de forma muito mais séria e abrangente do que é feito hoje. Isso vai dar muito trabalho, gerar muita dor de cabeça, prejudicar posições estabelecidas... natural que também prefiram deixar as coisas como estão.
Curtir


Paulo Melo 

                  Também acho pouco provável que a ANPUH responda ao autor do texto, Reinaldo. Nem espero que o faça. Não se trata de uma resposta pontual, para o Pádua, mas para a linha de argumentação e desqualificação que ele, e os adversários do projeto, construíram desde que o tema veio a público. Os sujeitos, e os interesses contrários à regulamentação, afinam todos no mesmo diapasão detrator. O nosso silêncio sobre o assunto, num momento decisivo como este, pode ser interpretado como uma incapacidade de respondermos a altura e sustentarmos nossa reivindicação. Afinal, parece não haver interesse no assunto entre os historiadores estabelecidos (a “velha guarda” da historiografia lembrada pelo Rafael). Aliás, a ideia de um “corporativismo às avessas” daria um tópico e tanto para uma conversa. A história que você contou Arnaldo, infelizmente, não é um caso isolado. Por outro lado, sabemos como estes textos circulam - diferentemente dos textos da ANPUH que não saem do nosso estreito campo de relações - e acabam chegando inclusive aos “nossos” deputados. Quantas vezes os deputados do DEM e do PSDB usaram de argumentos extraídos do blog de Reinaldo Azevedo (teu chara, Reinaldo) para usar nos debates no Congresso sobre temas como o movimento sem terra e as relações entre o Brasil e o Irã no governo Lula. Nada contra isso. Só estou dizendo que este tipo de texto circula nas altas esferas e abastece o repertório de argumentos de muita gente. Sem fazer ilações levianas, lembro que Demóstenes Torres usou deste expediente algumas vezes.
                   Os “críticos” do projeto, “que saiu da pena do Paim”, estão batendo, com mais ou menos qualidade argumentativa, nas mesmas teclas. Estão construindo, texto a texto, uma desmontagem do projeto utilizando de estratégias de desqualificação do projeto e dos seus propositores, sublinhando a indigência do Congresso que esta a beira de aprovar tal “aberração jurídica” e operando uma desconstrução epistemológica da história – “uma aberração teórica” - como um saber especializado e disciplinar. 

                         A ideia que costura os textos é realmente a percepção de que a história é por definição um saber não especializável. Mais que uma disciplina ou um campo de conhecimento, a ideia de história que emerge dos textos dos Páduas da vida sugere um patrimônio universal, que pertence a todos, e que não deve ser privativo de um grupo de especialistas. Afirmar a história com o um patrimônio, interdisciplinar e não especializável, e não como um campo de conhecimento delimitado por regras e teorias, é a estratégia dos caras. Claro que não se trata de uma conspiração orquestrada por devotados inimigos, mas está se configurando uma linhagem discursiva que está promovendo miudamente uma diluição epistemológica da área e um esvaziamento da figura e da autoridade científica do historiador. E cá entre nós, e por mais que os textos tenham lá os seus charmes, os caras não sabem o que estão dizendo. Os adjetivos e expressões empregados pelo Pádua não deixam dúvidas sobre suas intenções: “aberração”, “radical recusa da interdisciplinaridade”, “política de porteiras fechadas”. Pelas barbas do velho Heródoto, fomos transformados em desprezíveis coronéis do saber histórico que estão insidiosamente reservando mercado para nossos pares e colocando cabresto jurídico num bem que é de domínio geral. Para o Pádua, em particular, a reivindicação dos historiadores carece de “consistência teórica”. Ela esconde ambições maiores e ocultas: o que esta sendo jogado é uma política de “ocupação de espaços de poder”. Simples assim. E não se trata de uma política de poder pensada na sua positividade. Ok. Reconheçamos, como sugeriram Rafael e Arnaldo, que não nos preparamos para isso. Que nunca debatemos o tema da regulamentação nem o da pós regulamentação com consistência. Mas daí a detratar uma antiga e justa reivindicação e apresentá-la como uma perversa tentativa de sequestrar um patrimônio que é de todos e torná-la nosso domínio particular.....
                   O truque da desqualificação do interlocutor é velho. Você foi feliz no seu comentário, Reinaldo. Mas num momento em que o que esta em jogo é o futuro de uma profissão, não basta identificarmos os artifícios retóricos do “adversário”. É preciso argumentar e demolir as objeções uma a uma. Por mais que os detratores nos pareçam infames, é preciso levá-los a sério. E é precisamente sobre os pontos repetidos como mantras nestes textos que, ao meu ver, deve ser construída uma resposta geral dos historiadores e, ao mesmo tempo, uma defesa da regulamentação. A saber: 


1. A falsa tese do monopólio e da reserva de mercado (da “porteira fechada”, na linguagem ferina do Pádua). 
2. A ideia de que em história não existe especialização e que, portanto, qualquer um pode lecionar história. 
3. A recusa da interdisciplinaridade.
                  Não podemos simplesmente ignorar estas criticas e descartá-las como manifestações menores. Elas podem crescer diante do nosso silêncio ou de nossas respostas cuidadosamente elaboradas para nós mesmos. Precisamos aprender a escrever para o grande público e transformar nossa linguagem cifrada em textos agradáveis, atraentes e compreensíveis para quem não tem diploma de historiador. Não estou me referindo as narrativas mercadológicas e pretensamente críticas dos Narlochs, dos Dudas Teixeira, dos Peninhas e dos Laurentinos Gomes. Não desmereço o valor de alguns deles, sobretudo da prosa solta e livre dos vícios acadêmicos. Mas também não reconheço neles o historiador de ofício, o trabalho cuidadoso com as fontes e a consistência e domínio teórico que a formação específica possibilita.


Nenhum comentário:

Postar um comentário